quarta-feira, 11 de março de 2009

Águas de março...

"Foi em março que conheci esta versão da famosa música do Jobim – você estava prestes a nascer. Ouvi-la, hoje, é sentir no rosto de novo a brisa delicada de uma calma triste. Uma calma que me falava sobre o que não podia ser mudado e sobre as revoluções que me aguardavam por trás do que não podia ser mudado. Da delicadeza de um novo momento, mesmo que soasse violento em sua muda chegada.

As águas de março eram o fim do caminho e, da viagem seguinte, você era o começo.

Novos amores se anunciavam como flores, a começar pelo seu. Novos ares. Alguns desejados, outros não, revelando que a vida é quem faz as escolhas, por mais que nos dê outra ilusão. Ela nos brinca e em suas mãos somos criança. Entre uma brincadeira e outra, vem a morte para nos ensinar tanto a urgência como a calma resignação.

E é no jogo bobo e repetido que vai se revelando: o que passa, o que vem para ficar, o que é só caminho, o que é lugar para morar.

O tempo avança e luto para conquistar finalmente a calma. Penso que a conheço, mas ela me foge invisível. Em minha pressa de fazer sozinha, como se eternamente eu não vá ter com quem contar, me vejo a cada dia mais veloz, elétrica, acelerada. O que ontem sequer existia me invade e amanhece urgente, imprescindível, essencial.

Em minha ânsia de viver, esqueço de respirar. E o que é pior: sufoco também.

Você é tão parecido comigo, filho. A paciência que lhe peço é a paciência que não tenho. Por tantas vezes a vida me parece gritar pedindo que eu espere. Que eu espere, porque já vem. Mas não consigo.

Escrever é meu respiro, é quando tomo o ar para novos vôos – por mais rápido que voe, o avião parece flutuar entre as nuvens, essa ilusão de tempo e de espaço que nos dá a dica: a vida é tal e qual.

A vida é provocação. Se um dia me grita que é curta, manda em seguida a mensagem de que é preciso saber esperar. Avança e recua, oferece e retira, para nos medir, não a força, mas a capacidade de brincar.

E como você ao repetir mil vezes um mecanismo novo que acaba de descobrir, o tempo oferece meditação. É assim o seu jogo, com enigmas que mais rápido nos devoram se os tentamos engolir.

Não importa o quão irritante isso tudo me pareça. Nada vai mudar o fato de que não se toca o tempo com a mão. Não posso empurrá-lo ou puxá-lo, ele não vai nem vem, não pode que lhe sejam.

Admito, tenho pressa. Mas é pressa de chegar em casa e finalmente descansar. Pressa de ter calma. Pressa e sempre inimiga. É que nessa correria feia, por mais vezes me perco no caminho, sem conseguir chegar.

Em minha tentativa de lhe apresentar a serenidade, descubro que você é que veio me ensinar. O tempo, em seu ritmo criança, nos faz todo dia o mesmo convite a viver delicadas repetições e, assim, sorver a essência sutil do que não é feito.

Espero que eu, sempre tão rápida, não aprenda tarde demais."
Cristiana Guerra - para Francisco

Tanta delicadeza...
Tanto sentimento...
Tanta vida...
Vida!

Raquel

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